sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Doceira e salgadeira

Uma era doceira e a outra, salgadeira. Cada qual com a sua especialidade, formavam uma dupla talentosa, muito requisitada para festas de aniversário e de casamento na Curvelo das décadas de 1970 e 1980. Mestras de populares iguarias de mesa e de sobremesa, eram duas Marias a oferecer a excelência de coisas simples às famílias.


Protagonistas de uma arte tradicional, tocada por mãos calejadas de muitas Marias, elas nos brindavam não só com pratos inesquecíveis. Também zelavam com paixão por uma cultura culinária que celebrava a vida, o amor e a amizade.

Os bombons de amendoim de Maria Pretelis e as empadas de frango de Maria Barbosa provavam quão sofisticadas eram as receitas caseiras. Com os seus aventais de guerra, mais singelos que as elegantes vestes de chefes badalados pela tevê, elas faziam, uma a uma, as suas preciosidades.

O bombom de Dona Maria vinha do amendoim torrado e triturado no moedor de carne, que formava uma massa levemente crocante e açucarada, enrolada na palma da mão e depois coberta pela calda branca solvida no sumo do limão e logo cristalizada. Para complementar, essa doçura ganhava uma pitada de confeito colorido, a assinatura de suas raízes de Itália, terra de geniais confeiteiros.

Com um pé na cozinha da roça, a outra Dona Maria preparava uma carne branca, caipira e desfiada, amolecida na panela de pressão e temperada por um molho com muita azeitona e petit pois, como chamávamos a ervilha. O recheio era inserido com colher em massas a forrar e depois recobrir forminhas metálicas. Dali salgados essenciais iam para o forno e de lá saiam apetitosos.

A doceira matrona de pele clara e a salgadeira brejeira de lenço na cabeça eram fiadoras de uma parcela ímpar de um cardápio saboroso e requintado. Com estilos diferentes, o labor de cada uma servia a um tempo menos acelerado, de costumes autênticos e prazeres democráticos nas refeições. Por isso, o ofício meticuloso e sempre bem-sucedido dessas duas cândidas figuras merece o aplauso tardio.

De sua gastronomia nascida na beira do fogão de lenha e registrada em cadernos surrados de mães e avós vieram sabores e saberes que devem ser resgatados e valorizados. Foi a partir de memórias afetivas, embaladas por estórias que ainda me despertam saudade e água na boca, que busquei reavivar esse legado sertanejo.

Voltei a ter sete anos diante da imagem das duas Marias e de seus quitutes sobre bandejas de nosso lar. Pessoas passam, lembranças ficam e a vontade de degustar delícias de infância volta. 

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